Com a mão direita indo e vindo em frente à testa, Jeferson Rodrigo
Kuchinski, 23 anos, é o retrato da liberdade enquanto pula e canta
“dá-lhe ô, dá-lhe ô, dá-lhe Grêmio, dá-lhe ô”.
O Grêmio perderia
aquela partida por 1 a 0 contra o Atlético-MG, em pleno Olímpico. Mesmo
assim, sem nenhum constrangimento, Jeferson postaria no dia seguinte, no
Facebook, fotos do seu entusiasmo em meio à Geral, a principal torcida
organizada do clube. Não havia motivos para se esconder: as autoridades
nunca deram sinais de que cobrariam sua presença na 2ª Delegacia de
Polícia da Capital, onde ele deveria estar naquela tarde de 1º de julho.
Uma
semana depois, Gabriel Maidana Bassani, 23 anos, prefere a discrição
enquanto assiste à vitória do Inter sobre o Cruzeiro por 2 a 1, no
Beira-Rio. Não veste a camisa do time. Não acompanha a cantoria da Super
Fico, a torcida da qual faz parte. E demonstra desconforto quando uma
máquina fotográfica parece apontar em sua direção.
– Sem foto, sem foto! – grita ele para um torcedor de câmera em punho.
Gabriel sabe que seu destino correto, naquele dia, seria a 20ª Delegacia de Polícia – situada a sete quarteirões dali.
A
presença dele no Beira-Rio – e a de Jeferson no Olímpico, ambas
flagradas por ZH – revela como uma legislação bem-intencionada, cujo
princípio seria impedir arruaceiros de ingressar nos estádios, sucumbe à
frouxidão do poder público e dos próprios clubes. Desde fevereiro,
quando se envolveram em uma pancadaria antes de um Gre-Nal (leia no texto abaixo), Jeferson e Gabriel estão proibidos por seis meses de torcer nas arquibancadas.
Outros
dois rapazes detidos no mesmo tumulto, o gremista Thiago Araújo da Rosa
e o colorado Antonio Flávio Valadão de Almeida, também ignoram a ordem
judicial: jamais se apresentaram à polícia em dias de jogos. E a polícia
nunca alertou a Justiça sobre suas ausências.
– Não fui nenhuma
vez à delegacia. Não me cobraram nada até agora, ninguém me ligou. Parei
de ir ao estádio por questões pessoais, mas se quisesse poderia ter ido
– avalia Thiago, 29 anos, para em seguida expor sua conduta como
“torcedor”. – Já me meti em muita briga de torcida. Se tiver que brigar,
brigo sim. Tenho que defender meus amigos, defender meu clube.
Em
26 de março, o Grêmio recebeu um ofício do juiz Amadeo Ramella
Buttelli, do 2º Juizado Especial Criminal (Jecrim), pedindo que
fiscalizasse a entrada de Thiago e Jeferson no Olímpico. Três dias
depois, sem qualquer empecilho, Jeferson já ingressava no estádio para
assistir à partida contra o Avenida, vencida pelo Grêmio por 4 a 0. Ele
mesmo publicou no Facebook uma foto fazendo pose dentro do Olímpico.
A
mesma inação se repete no Inter: jamais o clube tomou providências para
barrar a entrada dos colorados infratores, como o juiz Buttelli
solicitou em 21 de março. Na 20ª DP, onde Gabriel e Antonio deveriam se
apresentar no último dia 8, enquanto o Inter vencia o Cruzeiro no
Beira-Rio, a funcionária de plantão informou que um deles chegou a
comparecer uma vez, mas “isso já faz tempo”:
– Sei lá, acho que faz uns quatro meses. Nem lembro o nome dele.
Não é o que apontam os registros da delegacia. Nenhum torcedor cumpriu a medida um dia sequer.
Duas brigas no mesmo dia
Enquanto
o Olímpico trepidava com o Gre-Nal na noite de 5 de fevereiro, o
ambiente era carrancudo em uma pequena sala do estádio. No posto do
Juizado Especial Criminal (Jecrim), o juiz Marco Aurélio Martins Xavier
interrogava os torcedores envolvidos no tumulto horas antes do jogo.
Os
gremistas, segundo o boletim de ocorrência, haviam promovido uma chuva
de pedras, garrafas e pedaços de pau contra os PMs que escoltavam a
torcida do Inter. Para piorar, no meio da escolta colorados iniciaram
uma briga entre si.
– Alguns queriam revidar o ataque dos
gremistas, mas outros tentavam impedi-los. Prendemos quem defendia o
revide – recorda o sargento Cristiano Bildhauer, ferido com uma pedrada
naquele dia.
Dois torcedores do Grêmio, Jeferson Rodrigo
Kuchinski e Thiago Araújo da Rosa, aceitaram uma transação penal:
estariam livres de responder a um processo na Justiça desde que ficassem
longe do Olímpico por seis meses, apresentando-se à 2ª Delegacia de
Polícia no horário das partidas. Ou seja, estavam impedidos de retornar
às arquibancadas até 5 de agosto de 2012.
No caso dos colorados, a
medida foi idêntica, alterando-se os locais: Antonio Flávio Valadão de
Almeida e Gabriel Maidana Bassani deveriam se afastar do Beira-Rio pelo
mesmo período, apresentando-se à 20ª Delegacia de Polícia sempre que o
Inter jogasse em seu estádio.
Trata-se de uma sanção prevista no
Estatuto do Torcedor. Elogiada por especialistas, a ideia é impor aos
torcedores arruaceiros uma punição educativa, evitando entupir o
Judiciário com novos processos. A lei só vale para réus primários. Mesmo
aceitando o acordo com a Justiça, os quatro detidos naquele dia negaram
participação no motim antes do Gre-Nal.
Mas, quando o juiz encerrou a audiência, lembra o sargento Bildhauer, os gremistas decidiram aguardar os colorados na saída.
– Deu um bolo mesmo. Eles (os colorados) tinham xingado a gente lá no Jecrim. Aí, fomos para cima deles – relembra Thiago.
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