A renovação do contrato de D’Alessandro com o Internacional ocorreu de
um modo tal que colocou num plano secundário aquilo que em qualquer
transação é o centro das atenções, os números, os valores, a grana.
Certamente esses fatores não perderam nada do seu significado, tanto
para as partes como para a imprensa e a torcida colorada – mas por que
sumiram do noticiário? Por certo não foi por incúria dos setoristas nem
pela natural discrição do presidente Giovanni Luigi. Só pode ter sido
pelo forte componente emocional.
Não me refiro à emoção dos
torcedores. Esta é habitual em tudo o que diga relação ao seu time. Falo
das motivações emocionais que todos perceberam por parte de
D’Alessandro, mais por seus gestos e silêncios do que por suas poucas
palavras, ele que é o antimarqueteiro mais famoso do futebol das
Américas na atualidade, contradição em termos que se percebe no jeito
como ele joga, festeja um gol ou lamenta um perdido, reclama da
arbitragem e coleciona cartões amarelos sem cometer faltas violentas, a
ponto de os próprios árbitros perceberem que ele é um reclamão do bem,
uma figura de intenso envolvimento emocional com o jogo, que é, ao fim
de contas,o que todos queremos.
A proposta chinesa, ele a
definia como importante para sua família, quase se desculpando por ter
que tratar do assunto. Era, aparentemente, um pedido mudo ao
Internacional para que lhe poupasse a despedida. Foi a minha leitura e
creio que foi a de todos os colorados. Nesse momento os números passaram
a segundo plano não só para as partes mas para todo mundo, inclusive os
colegas do jogador, normalmente atentos a qualquer sinal de
desequilíbrio financeiro nos respectivos contratos. Nesse caso, todas a
gama de informações e sentimentos passou a resumir-se na expressão
cunhada pelo torcedor em gritos e faixas: Fica,D’Ale!
Nada como
uma palavra de ordem para resumir sentimentos e potencializar vontades.
Tratando-se de um argentino, a expressão estava bem à mão.
Foram
os castelhanos – não os dos reino de Castela, mas nossos vizinhos do
reino platino do futebol – que popularizaram nos estádios a expressão
"Dale!", que associamos desde logo ao uso mais conhecido do nome do Boca
Juniors para reviver momentos de angustia que todos nós, torcedores
sul-americanos, sofremos na Bombonera, com nossos clubes ou nossas
seleções, desde um tempo em que a supremacia era deles e o ressentimento
era nosso.
Compreensível, por sinal. Antes das nossas Copas, tudo que vinha dos hermanos
era
maior, menos do que eles diziam, mais do que nós sentíamos numa época
que Nelson Rodrigues imortalizou como a do nosso complexo de vira-lata.
Pois foi pelo futebol que surgiu a parte mais visível dessa ruptura, bem
antes do PIB, bem antes dos BRICS. Foi pela bola na rede. Desagradam-me
treinadores e dirigentes que definem suas tarefas com expressões como
pegada, atitude, entrega, porque no geral vejo nisso a intenção de
escamotear sua primeira obrigação, que é a de organizar as decisões
dentro e fora de campo, ou, pior ainda, a de transferir
responsabilidades, pois nesse caso a falta de atitude é sempre dos
outros. Mas gosto dos que não falam em atitude, praticam-na.
Nesse
quesito, D’Alessandro é insuperável. E a palavra de ordem vem ao
natural, pois nele ela está mais do que no sangue, está no nome:
Dale,D’Ale!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentário com ofensas e com cunho machista, racista e homossexual, não serão publicadas.